O rapaz na festa de candomblé e seu pano de cabeça: reflexões sobre homossexualidades (in)desejáveis

Autores

DOI:

https://doi.org/10.26563/dobras.i41.1714

Palavras-chave:

Candomblé, Gênero, Homossexualidade, Moda, Vestuário

Resumo

Em uma festa de candomblé de um terreiro dito tradicional — com mais de cinquenta anos de fundação —, um jovem visitante com um pano de cabeça azul, ao perceber que era o único homem usando aquele tipo de indumentária, retira-o e passa o restante da festa sem a peça. A partir desse episódio, proponho uma análise sobre a luta semântica no aspecto discursivo das identidades de gênero, em que se disputam formas mais ou menos masculinas/femininas de se vestir. Embora as performances de gênero no candomblé não sejam vistas sob uma ótica exclusiva da moralidade cristã, estão influenciadas por esta, e de toda forma, as ideias circulantes sobre gênero operam sua influência nos terreiros, onde se encontram encobertas pela tradição. A masculinidade — estruturada por relações de poder e estruturante destas — se torna invisível aos privilegiados por seus constructos, que adquirem ainda certo status de inquestionabilidade ao se subsumirem à tradição no que diz respeito aos papéis religiosos, operando uma distinção entre “candomblés tradicionais” e “candomblés de veadeiro”. Ainda que a homossexualidade masculina seja estrutural e estruturante do campo religioso afro-brasileiro e que a flexibilidade desse campo frente à homossexualidade seja reconhecida, nem todos os terreiros se mostram receptivos às diversas expressões da homossexualidade e sob a égide da tradição não se questionam práticas excludentes.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Diogo Coutinho Iendrick, Universidade Federal Fluminense

Mestre e doutorando em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Referências

ABU-LUGHOD, Lila. As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação? Reflexões antropológicas sobre relativismo cultural e seus Outros. Tradução: João Henrique Amorim. Estudos feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, maio-ago., 2012, p. 451-470. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000200006

ALMEIDA, Miguel Vale de. Género, masculinidade e poder: revendo um caso do sul de Portugal. In: Anuário antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.

BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpenetrações de civilizações. Segundo Volume. Tradução: Maria Eloisa Capellato e Olivia Krähenbühl. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1971.

BECKER, Howard. Uma teoria da ação coletiva. Tradução: Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

BIRMAN, Patrícia. Fazer estilo criando gêneros: possessão e diferenças de gênero em terreiros de umbanda e candomblé no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará; EdUERJ, 1995.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução: Maria Helena Kühner. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

CAPONE, Stefania. A busca da África no candomblé: tradição e poder no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2018.

CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. 9. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2008.

DINIZ, Debora. In: NOVAES, Regina Reyes; LIMA, Roberto Kant de. (Org.). Antropologia e direitos humanos. Niterói: EDUFF, 2001.

DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. Tradução: Mônica Siqueira Leite de Barros e Zilda Zakia Pinto. São Paulo: Perspectiva, 2014.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: 1: a vontade de saber. Tradução: Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 13. ed. Rio de Janeiro: Graal 2009.

FRY, Peter. Para inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

HEINTZ, Monica. Introduction: why there should be an anthropology of moralities. In: HEINTZ, Monica. The anthropology of moralities. New York: Berghahn Books, 2009. DOI: https://doi.org/10.3167/9781845455927

IENDRICK, Diogo Coutinho. Do camisu à bata, as roupas contam a história: as tramas do vestuário no candomblé. 2020. 132 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia – Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2020.

KIMMEL, Michael S. A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas. Tradução: Andréa Fachel Leal. In: Horizontes antropológicos, Porto Alegre, ano 4, n. 9, p. 103-117, out. 1998. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-71831998000200007

LANDES, Ruth. A cidade das mulheres. Tradução: Maria Lúcia Eirado Silva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

LIMA, Vivaldo da Costa. A família de santo nos candomblés jejes-nagôs da Bahia: um estudo de relações intragrupais. 2. ed. Salvador: Corrupio, 2003.

LODY, Raul. Apresentação. In: CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. 9. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2008.

MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia, com uma introdução à obra de Marcel Mauss, de Claude Lévi-Strauss. Tradução: Paulo Neves. São Paulo: EPU, 1974.

MESQUITA, Ralph Ribeiro. Entre homens, mulheres e deuses: identidade, gênero e (homo)sexualidade no contexto religioso afro-brasileiro. Revista Gênero, Niterói, v. 4, n. 2, p. 95-117, 2004. Disponível em: <https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31034/18123>. Acesso em: 7 dez. 2021. DOI: https://doi.org/10.22409/rg.v4i2.248

MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro de. Religião e intolerância à homossexualidade: tendências contemporâneas no Brasil. In: SILVA, Vagner Gonçalves. Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.

OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ́. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Tradução: Wanderson Flor do Nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

PERLONGHER, Néstor. O negócio do michê: a prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1987.

RIOS, Luís Felipe. O paradoxo dos prazeres: trabalho, homossexualidade e estilos de ser homem no candomblé queto fluminense. In: Etnográfica, vol. 16 (1), mar., 2012. Disponível em: <http://journals.openedition.org/etnografica/1382>. Acesso em: 05 jan. 2022. DOI: https://doi.org/10.4000/etnografica.1382

ROCHA, Gilmar. A roupa animada: persona e performance na jornada dos santos reis. In: Cronos: R. Pós-Grad. Ci Soc. UFRN, Natal, v. 15, n. 2, p. 8-34, jul./dez. 2014.

SANTOS, Juana Elbein dos. Os nàgô e a morte: pàde, àṣèṣè e o culto égun na Bahia. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

SILVA, Vagner Gonçalves da; LODY, Raul. Joãozinho da Goméia: o lúdico e o sagrado na exaltação do candomblé. In: SILVA, Vagner Gonçalves. Caminhos da alma. Coleção memória afro-brasileira, vol. I. São Paulo: Selo Negro, 2002.

SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

STRATHERN, Marilyn. The gender of the gift: problems with women and problems with society in Melanesia studies in Melanesian anthropology. Berkeley: University of California Press, 1988.

TEIXEIRA, Maria Lina Leão. Lorogum – identidades sexuais e poder no candomblé. In: MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. Candomblé: religião do corpo e da alma: tipos psicológicos nas religiões afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2000.

VOGEL, Arno; MELLO, Marco Antonio da Silva. Objetivos. In: SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos; VOGEL, Arno. (Coord.). Quando a rua vira casa: a apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro. 3. ed. São Paulo: Projeto, 1985.

Downloads

Publicado

2024-08-01

Como Citar

IENDRICK, D. C. O rapaz na festa de candomblé e seu pano de cabeça: reflexões sobre homossexualidades (in)desejáveis. dObra[s] – revista da Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, [S. l.], n. 41, p. 316–330, 2024. DOI: 10.26563/dobras.i41.1714. Disponível em: https://dobras.emnuvens.com.br/dobras/article/view/1714. Acesso em: 4 dez. 2024.

Edição

Seção

Dossiê